quarta-feira, 25 de maio de 2011

Traduzir-se - Ferreira Gullar




Uma parte de mim

é todo mundo:

outra parte é ninguém:

fundo sem fundo.



Uma parte de mim

é multidão:

outra parte estranheza

e solidão.



Uma parte de mim

pesa, pondera:

outra parte

delira.



Uma parte de mim

almoça e janta:

outra parte

se espanta.



Uma parte de mim

é permanente:

outra parte

se sabe de repente.



Uma parte de mim

é só vertigem:

outra parte,

linguagem.



Traduzir uma parte

na outra parte

— que é uma questão

de vida ou morte —

será arte?



De Na Vertigem do Dia (1975-1980)

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